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Andreza Pinheiro
Diferentes lugares e pessoas, mas uma paixão em comum: o maracatu
Por Maria Fernanda Moraes
O casal Felipe Romano e Carol Real está por trás da engrenagem que move o Quiloa, o primeiro grupo de maracatu da Baixada Santista, criado em 2003. Juntos, eles tiveram o primeiro contato com o gênero em São Paulo, durante uma Feira Nordestina promovida pelo SESC Itaquera. “Eu e um grupo de amigos já tocávamos percussão e tínhamos interesse nessa área. Foi nesse evento no SESC que ouvimos pela primeira vez o maracatu ao vivo. Era um encontro de diversos grupos do país. Já tínhamos escutado antes em gravações, mas ao vivo mudou tudo”.
E foi paixão ao primeiro baque. Felipe contou ao SaraivaConteúdo que, nos dias seguintes ao evento, saíram à procura de instrumentos e áudios que pudessem ajudá-los a tocar. “Na primeira loja que visitamos em Santos, encontramos uma alfaia, que é o tambor do maracatu, cheia de fitas e remendos. Foi muita coincidência! Estava encostada na loja, e o vendedor nem sabia direito o que era. Disse que um cliente tinha comprado achando que era um surdo de samba, não gostou e devolveu. Depois disso, fomos aprendendo a fazer também os instrumentos. Hoje temos uns trinta tambores, mais ou menos”.
O Quiloa começou a ensaiar numa república de um dos estudantes do grupo até se mudar para a sede atual, que fica no Centro Histórico de Santos. “O estudo inicial era feito com áudios encontrados na internet. Éramos em torno de cinco pessoas, e o Felipe ia nos guiando. Fazíamos uma adaptação de instrumentos”, lembrou Carol.
Nessa época, o grupo ainda não tinha nome. “Passamos um ano nos apresentando sem nome, até que um dos integrantes deu a ideia do ‘Quiloa’, que é o nome de um personagem apaixonado por Xica da Silva no romance de João Felício dos Santos. Depois de algum tempo fui saber que loa é a música cantada no maracatu e que também era um povoado africano. Tudo fez sentido”.
Em 2007 aconteceu o grande salto do Quiloa. Por meio de um batuqueiro de São Paulo que é amigo do casal, eles conheceram o Mestre Shacon Vianna, da Nação Porto Rico, de Pernambuco, e trouxeram-no para ministrar oficinas em Santos. Foi aí que o grupo passou a aprofundar o baque e conhecer as diferenças entre uma nação e outra.
Segundo Felipe, a Nação Porto Rico (que é a seguida pelo Quiloa) é caracterizada por um maracatu mais complexo e completo em relação à instrumentação. Foi uma das únicas nações que resgatou o som dos atabaques e dos ilus e os incorporou novamente ao ritmo. De origem africana, no início o maracatu passou por uma modificação para que houvesse aceitação dentro da sociedade da época.
                                      Crédito/ Juliana Franco Maia                                              Crédito/ Rogério Santana
Grupo Maracatu Bloco de Pedra
Gustavo Nunes, do Bloco de Pedra
O Mestre Shacon Vianna, que também é pesquisador dessa cultura, chegou à conclusão de que não havia mais motivos para travestir esse gênero musical. Se antes o maracatu tocado nos terreiros tinha que ser alterado para ser tocado nas ruas, hoje não é mais preciso. Assim, a inclusão dos atabaques trouxe de volta ao ritmo todos os toques dos orixás, as movimentações corporais e a riqueza cultural do candomblé.
Desde então, a rotina do casal mudou, e praticamente tudo gira em torno da cultura do maracatu. Carol contou um episódio curioso que aconteceu logo após o casamento. “Nós nos casamos em 2005, mas programamos a nossa lua de mel somente para o ano seguinte, para coincidir com a época de carnaval, já que a nossa vontade era passar no Recife, com a intenção de estudar e conhecer as nações de lá”.
Hoje eles mantêm uma relação muito próxima com o Mestre Shacon. “Somos compadres, nós batizamos o filho dele, temos uma relação muito familiar mesmo. Ele vem direto para Santos, nós vamos ao Recife. Viramos uma família mesmo, aproximada pela questão da cultura do maracatu”, revelou Carol.
Mesmo seguindo a Nação Porto Rico, o Quiloa recebe diversas visitas de nações diferentes e mestres que são ícones do maracatu pernambucano. Já passaram pela Baixada: mestre Toinho, o mais antigo em atividade, do Encanto da Alegria, acompanhado pelo diretor de batuque Felipe Henrique; mestre Gilmar, da Nação Estrela Brilhante de Igarassu; mestra Joana, da Nação Encanto do Pina; e Luiz Água, do grupo Baque das Ondas, além de visitas de batuqueiros de Curitiba, São Paulo e Rio que vêm conhecer o trabalho do grupo. “Acreditamos que temos que ter contato com outras pessoas que entendem a riqueza dessa cultura. A gente tem a nossa linha, o nosso baque (que é a maneira que se toca o maracatu), mas temos que conhecer também outras nações e compartilhar as diferenças”, pondera Felipe.
DIA A DIA
O casal concilia a rotina de atividades relacionadas a esse gênero musical com as profissões que escolheram, mas não negam a interseção natural que acontece. Felipe é formado em música e tem uma produtora, que fica no mesmo prédio do Quiloa. “Assim fica mais fácil. Muitas vezes o trabalho da produtora está relacionado ao maracatu também”, contou.
Carol é educadora e dá aula durante as manhãs para a educação infantil. “Quando eu tinha alunos mais velhos, na faixa de 3 a 4 anos, eu ensinava maracatu nas aulas. Hoje em dia estou com crianças menores e já não dá, mas sempre canto algumas loas para eles”.
As noites do casal são dedicadas ao Quiloa. É o período em que acontecem as oficinas, os ensaios e os planejamentos dos projetos futuros. “Nossa vida gira em torno do maracatu. Todos os dias eu falo com Recife, que é a nossa referência, e temos muitos amigos lá. Fazemos um intercâmbio muito forte. O maracatu entrou em mim… ou já estava. O nosso mestre Shacon diz o seguinte: não é a gente que escolhe o maracatu, é o maracatu que escolhe a gente. De repente, fui escolhida”, concluiu Carol.
                                                                      Crédito/ Quiloa                                                   Crédito/ Rafael Branco
Felipe Romano, do Quiloa
O CONFECCIONADOR DE ALFAIAS DO BLOCO DE PEDRA
Gustavo Nunes é formado em jornalismo e trabalha numa agência de publicidade. Há três anos ele conheceu o Bloco de Pedra, que tem sede no bairro de Pinheiros, na Escola Estadual Professor Antônio Alves Cruz, em São Paulo. Hoje ele é um dos coordenadores – junto com Guga Silviano – do naipe das alfaias. Realiza a manutenção dos instrumentos do grupo, escreve o conteúdo do site e das redes sociais e faz parte da equipe de workshops promovidos pelo bloco sobre a construção de alfaias e sobre a história do maracatu.
O Maracatu Bloco de Pedra é um grupo percussivo formado pelos alunos que frequentam as aulas do Projeto Calo na Mão. “É com essa formação que trazemos recursos para manter o projeto”, explicou Gustavo. “E se perceberem, o processo é cíclico. Oferece-se cultura popular brasileira. Divulga-se essa cultura por meio de apresentações e adquire-se fundos para manter a oferta dessa cultura que, da mesma maneira que aprendemos (e continuamos a aprender) de graça, ensinamos de graça”.

Em entrevista ao SaraivaConteúdo, ele contou que tudo começou pela influência de Chico Science e da Nação Zumbi, que traziam características do maracatu de baque virado ou nação, assim como maracatu de baque solto, mais conhecido como rural. “Mas só fui me dar conta disso mais pra frente, depois de me envolver com a cultura pernambucana. Hoje sou batuqueiro do Bloco de Pedra e construo os tambores que tanto ouvia nas músicas dos meninos de Recife”.
Antes disso, Gustavo nunca tinha tocado percussão. “A acessibilidade do projeto faz com que qualquer pessoa, mesmo nunca tendo tocado percussão, possa participar das oficinas abertas ao público e das turmas de introdução ao maracatu”.
                                                                      Crédito/ Juliana Franco Maia
Grupo Bloco de Pedra
Os encontros acontecem aos sábados, e Gustavo compartilhou um pouco do seu dia a dia de atividades. “Costumo chegar às 10h para fazer a manutenção dos instrumentos que precisam de aros novos, peles novas ou qualquer outra necessidade. Quando as aulas das turmas de introdução ao maracatu estão acontecendo, às 13h, recebemos os alunos na quadra e ministramos essas aulas até 14h. Às 15h, começa a oficina aberta ao público, que vai até 17h”.
Gustavo também contou que, bimestralmente, o projeto oferece dois workshops: um de história do maracatu, que aborda desde a chegada dos negros ao Brasil até o ritmo nos dias de hoje; e outro de construção de alfaia, tambor típico do maracatu de baque virado.
Segundo ele, o interesse pela confecção dos instrumentos veio da necessidade de tê-los para a viabilidade da proposta do grupo. “Tivemos a importante ajuda do Daniel Reverendo (cantor, compositor, multi-instrumentista e disseminador do Jongo – manifestação cultural de africanos essencialmente rural, tida pelos próprios jongueiros como o ‘avô do samba’). Ele ensinou os integrantes do projeto da época a construir os tambores de maracatu. Esses ensinamentos foram aplicados às aulas de construção de instrumento que o projeto oferecia até pouco tempo atrás, e que eu tive a oportunidade de fazer e aprender”, contou.
O Bloco de Pedra tem influências de várias nações do Recife e região, como a Nação Estrela Brilhante de Igarassu, Nação do Maracatu Porto Rico, Nação Estrela Brilhante de Recife, Maracatu Leão Coroado, entre outras.
CORTEJO QUILOA EM JANEIRO
O principal encontro do Quiloa acontece todos os anos, 15 dias antes do carnaval. Em janeiro de 2013, ocorrerá nos dia 25, 26 e 27, atraindo grupos de todo o Brasil. Será o 8° Cortejo Quiloa- Amostra de Arte Popular – 2013. Para a edição do ano que vem, o grupo prepara uma amostra de cultura popular para os três dias, contendo palestras, oficinas, exposições e shows, além do tradicional Cortejo do Quiloa pelas ruas do Centro Histórico, incluindo a Praça Mauá e Casa da Frontaria Azulejada, com grupos de Samba de Roda, Boi, Frevo, Coco e Maracatu.
Para quem quiser participar dos grupos:
São Paulo, Pinheiros
Rua Alves Guimarães, 1511
Atividades do Projeto Calo na Mão aos sábados:
– Oficina de Maracatu: das 15h às 17h
– Curso de Introdução ao Maracatu: das 14h às 15h
– Manutenção de Alfaias: das 10h às 13h
Todas as atividades são gratuitas
Santos
Associação Cultural Quiloa

Rua General Câmara, 99 – Centro Histórico
Inscrições para oficinas no e-mail: quiloamaracatu@gmail.com
– Ensaios todas as quartas- feiras
– Oficinas – segundas: oficina de percussão do Maracatu; terças: cultura popular; quartas: oficina de pandeiro.